segunda-feira, dezembro 14, 2009

Reflexão sobre o Módulo I - 1 e 2 de Outubro


No primeiro dia de formação do módulo 1, muitas eram as minhas dúvidas: o que é esperado de mim enquanto formanda? Como será feita a avaliação? Este Novo Programa irá colocar em causa toda a minha prática de leccionação? Será muito difícil concretizá-lo de modo eficaz? Esta formação será realmente útil nas mudanças que se avizinham?
A sessão de abertura com a representante da DREF já nos deu algumas pistas sobre a importância deste momento formativo na transformação do ensino-aprendizagem da língua portuguesa, apontando a articulação vertical entre os três ciclos do ensino básico como uma das grandes potencialidades deste novo documento de orientação e fundamentação da prática docente no domínio da língua portuguesa. Já nesta introdução à formação dos docentes, fui levada a reflectir sobre a minha experiência pedagógica nestes treze anos de ensino do português e apercebi-me de que, com efeito, fazia falta um conhecimento claro do que é feito nos outros ciclos do Ensino Básico, pois só assim se conseguirá que as aprendizagens realizadas em cada ciclo sejam, com certeza, um alargamento, um aprofundamento, do anterior e, assim, as aprendizagens, ao longo dos nove anos de escolaridade, efectivamente, se consolidem e progridem, para que o aluno desenvolva o perfil adequado à saída do 3º Ciclo.
Aliás, a primeira tarefa prática, em pequeno grupo, proposta pelos formadores levou-nos a folhear o Novo Programa, de modo a resolvermos três pequenos guiões sobre cada um dos ciclos e a apercebermo-nos da forma como se organiza cada um deles, dos resultados esperados no final de cada ciclo e do progresso dinâmico existente no percurso.
Seguidamente, interveio a professora Susana Leal, que procedeu ao enquadramento geral do curso e, neste momento da 1ª sessão, eu tomei consciência de que a transformação que está a decorrer no ensino do Português vem na senda do que acontece já em outros países europeus e fundamenta-se na necessidade de valorização da dimensão social da língua, do reforço da sua natureza comunicativa, sem descurar a sua vertente cultural, o que me fez, novamente, reflectir sobre a minha própria experiência enquanto docente de Língua Portuguesa, pelo facto de, nestes anos de docência, muitas vezes, me incomodar a percepção do desfasamento entre o que era feito na sala de aula e as reais necessidades dos alunos ao nível do uso da língua materna.
Ainda, fui levada a ver no conceito de aprendizagem ao longo da vida a nova perspectiva a adoptar no ensino-aprendizagem da língua e no papel da escola como o espaço privilegiado onde essa aprendizagem se realizará.
A formadora Arminda Magalhães deu mais algumas pistas quanto à pertinência do Novo Programa ao relembrar-nos dos estudos PISA e dos resultados dos nossos discentes na OCDE, ao nível da literacia em contexto de leitura. A formadora mostrou-nos que se verifica alguma competência dos discentes portugueses ao nível da leitura de texto narrativo, mas que o mesmo não se pode dizer no que respeita a outras tipologias textuais. Referiu ainda uma outra questão: os nossos alunos não atingem níveis superiores a 3 mesmo na leitura de textos narrativos. Frente a esta exposição, voltei a pensar no que tenho constatado ao longo da minha carreira e a admitir que sempre achei que muito mais se poderia fazer ao nível do desenvolvimento da capacidade de leitura e que, efectivamente, os discentes deveriam ser capazes de ler qualquer tipo de texto e os docentes não deveriam concentrar-se tanto em leccionar textos narrativos de determinados autores, sem a preocupação de variar mais.
A mesma ansiedade demonstrou a formadora ao nível da escrita e do facto de, em nome do cumprimento do programa e da preocupação em leccionarmos todos os conteúdos previstos para aquele ano lectivo, as oficinas serem delegadas para segundo plano e, mesmo, na maioria das vezes, não serem levadas a cabo.
A formadora Filomena Morais esclareceu o facto de o Novo Programa até não ser assim tão novidade, uma vez que integra vários documentos já consultavam mas estavam dispersos, como o Programa de 1991, o Currículo Nacional do Ensino Básico, o Plano Nacional de Leitura, o Dicionário Terminológico e as orientações da Conferência Internacional sobre o ensino do português. Esta perspectiva do Novo Programa foi importante, por um lado porque transmitiu uma certa confiança no facto de se tratar de um documento bem fundamentado, enquadrado, pois que será o nosso orientador numa mudança que implica a adopção de um novo paradigma, de modo a que o professor seja muito mais um gestor do programa, um agente do desenvolvimento curricular, por outro lado, por veicular a ideia de que não se trata de uma ruptura mas de uma continuidade, partindo de aspectos que já eram tidos em conta nas nossas práticas diárias.
Um outro aspecto fundamental nesta intervenção da formadora Filomena Morais foi ter-me levado a aperceber-me de que não só o papel do professor de Língua Portuguesa mudará mas também os próprios valores que o norteiam, visto que a língua materna assume definitivamente a importância (que sempre teve) de língua de escolarização, destacando-se na transversalidade que sempre a caracterizou. Por este motivo, a comunicação linguística, o conhecimento linguístico e o conhecimento translinguístico são eixos estruturantes do Programa de Português de 2009 e a competência linguística o termo-chave. Aqui, novamente, reflecti sobre a minha actuação enquanto docente de língua portuguesa e voltei a constatar que apesar de o termo competência já não ser novo e esta preocupação de ensinar por competências já existir entre os docentes há alguns anos, a verdade é que, no ensino de português, isto não se tem efectivado, porque são muitas as dúvidas acerca de como se faz. Continua-se a leccionar por conteúdos, visando o cumprimento da planificação e insistir no «Eu já dei isto.», «Ainda me falta dar isto.», «Não sei como vou conseguir dar isto tudo.». A formadora Filomena Morais voltou a alertar-nos para o conceito de competência como saber em acção, capacidade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos para resolver uma tarefa, um problema, o que me fez pensar que realmente não é isto que tenho feito nas minhas aulas e que realmente trabalhando por tarefas, por resolução de problemas, se estará a desenvolver as competências dos alunos ao nível da escrita, da oralidade, da leitura e do conhecimento explícito da língua, de modo a que a aprendizagem feita se transforme em saber em acção e não se esgote na ficha de avaliação sumativa e, por isso, seja sempre necessário repetir tudo nos anos lectivos seguintes, pois o aluno nunca se mostra, efectivamente, capaz de fazer. Assim sendo, as competências específicas da Língua Portuguesa devem ser trabalhadas de modo integrado e simultâneo, apenas se perspectivando os conteúdos como meios de activar estas mesmas competências. A ideia de desenvolvimento de competências associa-se, pois, ao princípio da progressão da aprendizagem, de modo a que os saberes dos alunos, apoiados sempre nas aprendizagens anteriores, se alarguem, se especializem, se complexifiquem e se sistematizem ao longo dos nove anos de escolarização.
Outro grande pilar do ensino da língua portuguesa que me tem deixado tantas dúvidas no que respeita ao seu eficaz desenvolvimento foi abordado pela formadora Filomena Morais e trata-se do corpus textual que servirá de base ao trabalho do professor. Assim, fomos esclarecidos acerca dos critérios de selecção dos textos a utilizar, como a representatividade / qualidade, a integridade, a diversidade, a progressão e a intertextualidade. Isto fez-me pensar em dois factos: as bibliotecas da maioria das escolas não possuem os livros necessários para esta escolha reflectida ; os manuais, muitas vezes, não apresentam corpus que respeitem estes critérios; os alunos não têm, na sua maior parte, condições financeiras para aceder aos livros necessários. Estas dúvidas, certamente, serão alvo de reflexão nas próximas sessões de formação e nos fóruns de discussão no moodle.
A formadora Serafina levou-nos a pensar sobre a competência do oral, na qual o Novo Programa coloca uma importante tónica, concluindo-se que a compreensão do oral, que já tem sido levada em conta nas nossas escolas, não pode ser uma mera escuta activa, ou seja, não deverá o aluno apenas a recuperar informação e a exercitar a memória, mas sim a reflectir e a fazer síntese. Ora, pensar nisto foi muito pertinente, pois é uma preocupação que me tem trazido alguma ansiedade, principalmente quando elaboro ou selecciono materiais para o desenvolvimento /avaliação da compreensão oral, pois que, na maioria das vezes, sinto que não estão adequados, que não serão eficazes. Outra preocupação com a qual me identifiquei nesta sessão foi o modo como a expressão oral tem sido trabalhada, aliás, o modo como não tem sido trabalhada, por não ser vista como um conteúdo e apenas se exigir aos alunos um saber que não resulta sequer de um processo de ensino-aprendizagem. Assim sendo, a formadora Serafina alertou para a necessidade de levarmos os alunos a adquirir competências comunicativas, para isso, tendo-se que trabalhar o oral em contextos variados. A competência de oralidade pressupõe reflexão, planificação, formalidade, complexidade, tal como já acontece com a escrita, a leitura ou o conhecimento explícito da língua. As produções orais dos alunos têm que se tornar em objecto de análise, de estudo, de trabalho de revisão, a fim de, efectivamente, haver uma melhoria nos desempenhos. E isto só se efectivará com a realização sistemática de oficinas de expressão oral.
Esta primeira sessão da Formação deixou-me um importante ponto de partida para a minha nova postura enquanto docente de língua portuguesa se enraizar: a sala de aula tem que se tornar num espaço de desenvolvimento integrado de todas as competências, numa oficina da língua em que o discente se torne um sujeito linguístico capaz de utilizar o português padrão de modo a ter sucesso a todos os níveis do seu desenvolvimento.

Ana Isabel Carvalho
Pico da Pedra, 3 de Outubro de 2009