terça-feira, abril 06, 2010

Reflexão sobre o Módulo III - 11 e 12 de Fevereiro

No Módulo III de formação nos NPPEB, o enfoque foi colocado na competência de leitura. Apesar de já ter lido e relido o novo programa e de estar já a par de algumas das novas abordagens para o desenvolvimento desta competência, levei para o espaço de formação algumas expectativas em relação ao modo como, agora, se pretende que encaremos a leitura na sala de aula e a partir dela.
Considero que os dois dias de Fevereiro, efectivamente, não foram suficientes para aprofundar a reflexão sobre o papel do professor enquanto um dos principais formadores de alunos-leitores e as estratégias mais adequadas a serem adoptadas, principalmente em contextos mais desafiadores para o docente. No entanto, a leitura posterior do GIPL fornecido esclareceu algumas das questões que foram abordadas pelos formadores e orientou-me de modo mais concreto no caminho que se pretende traçar no desenvolvimento da competência de leitura dos alunos.
Como leitora habitual e entusiasmada que sou, sempre encarei a leitura como uma das competências mais importantes a desenvolver nos alunos. O próprio estágio, que fiz em 1996-97, incutiu em mim a ideia de que, na aula de português, tudo deve girar à volta da leitura de um texto, de preferência literário, e, efectivamente, foi assim que trabalhei ao longo dos anos, apesar de sempre ter considerado fundamental o ensino do CEL, da oralidade e da escrita. Deste modo, e tendo em conta que a grande maioria dos professores de português tem trabalhado desta maneira, é pertinente rever estas práticas, que, pelos vistos, não têm tido resultados satisfatórios nem no que respeita à motivação para a leitura nem no que concerne à literacia plena dos portugueses.
Eu própria tenho a consciência de que nem sempre fui competente no trabalho que desenvolvi ao nível da leitura. Apesar de ler muito, de tentar compartilhar com os alunos este prazer e querer transmitir-lhes este hábito, na maioria das vezes, as minhas decisões quanto às actividades de leitura a privilegiar pautaram-se pelos textos que os manuais propunham e respectivos guiões de leitura, por variar pouco ao nível das modalidades e dos suportes e por não dar a importância devida à motivação do aluno, achando sempre que a leitura pela vida fora partiria de uma escolha, acima de tudo, pessoal.
O NPPEB e o GIPL reforçam a ideia de que é necessário rever estas práticas de sala de aula, a fim de que as tarefas de leitura propostas sejam mais significativas e desafiadoras para os alunos e, ao longo dos três ciclos, se complexifiquem, a fim de que se consiga que os alunos se tornem leitores voluntários e eficientes. Todavia, embora a diversificação dos textos e dos suportes de escrita seja apontada como factor fundamental para um desenvolvimento eficaz da competência leitora, é preciso que se diga que o Programa continua a enfatizar a importância do texto literário como forma primeira de desenvolver a capacidade estética dos alunos e de os integrar numa mesma identidade cultural. É por isso que, agora, se alarga o elenco de obras e textos propostos para leitura no terceiro ciclo e faz-se uma ligação ao PNL, para que o professor se sinta apoiado na diversificação dos textos, especialmente no primeiro ciclo e no segundo. Ao mesmo tempo, destaca-se a importância que a literatura para crianças e jovens tem.
Aquando da primeira leitura do NPPEB surpreendi-me com o facto de ter verificado que, no nono ano, os excertos de Os Lusíadas, agora, surgem em maior número. Isto vem ao encontro da importante complexificação das leituras que se propõem, pois, sendo o nono ano o fim de um ciclo, faz todo o sentido que se invista num tipo de texto que coloca grandes desafios de compreensão e interpretação aos alunos. Um outro aspecto que considero importante realçar é o facto de o programa se ligar ao PNL, o qual surgiu com o objectivo de dinamizar a leitura na sociedade portuguesa e reforçar a importância de se criar, desde o berço, o ambiente propício ao acto de ler, envolvendo a família, os alunos e os professores num mesmo propósito: ler pela vida fora. A meu ver, o PNL funcionará como um importante instrumento de apoio à tarefa de mediador que o professor é chamado a assumir mais plena e concretamente, apoiando-o na necessária diversificação das leituras e dos suportes (pretende-se abranger os facultados pelas novas tecnologias). Com a lista do PNL e com as actividades de leitura que propõe, os professores sentir-se-ão mais confiantes e apoiados na escolha de textos e de estratégias mais ao gosto das suas turmas.
Os próprios discentes já têm consciência da importância de ler livros sugeridos pelo PNL. Tenho verificado isto aquando da escolha de textos para a leitura recreativa, pois que noto a preocupação de, aquando da compra, escolherem um livro que tenha o selo «Ler +». Contudo, tenho plena consciência de que nem toda a gente se sente satisfeita com a selecção do PNL nem com os critérios que servem de base para a elaboração das listas, embora seja ponto assente que as mesmas não são fechadas, estando em aberto para serem continuamente actualizadas.
Na formação, foi-nos pedido que reflectíssemos sobre a escolha de um corpus textual para uma turma e para um ano lectivo. Para a elaboração desta lista, fomos alertados para termos sempre em conta os alunos e o seu contexto, a questão da representatividade dos autores seleccionados, a integridade dos textos e as leituras já feitas em anos anteriores, de modo a que se garantisse uma progressão, complexificação, das mesmas. Perante esta tarefa, deparámo-nos com algumas questões:
- qual a diferença entre narrativa, texto e conto?
Com efeito, o programa, ao nível do 3º ciclo, propõe, por exemplo, no 8º ano, «três narrativas de autores portugueses», «um conto de autor de país de língua oficial portuguesa», «um texto de autor estrangeiro»,… . A narrativa é um termo mais abrangente que conto e, provavelmente, se pretende que o professor possa optar por um romance ou uma novela, um diário ou uma autobiografia, entre outros géneros do modo narrativo. De resto, o programa não é mais claro neste ponto.
Na selecção que fizemos, apercebemo-nos de que, realmente, o referencial de textos para o 3º ciclo é grande, as alternativas são muitas e isto, tendo em conta a necessidade de adaptar à turma e ao seu PCT, será uma grande ajuda, não só no que diz respeito à fundamental diversificação mas também no que se relaciona com a adequação aos alunos e à necessidade de os motivar para a leitura na sala de aula e fora dela.
- como é que esta quantidade de textos irá parar às mãos dos alunos? A escola irá fornecer? Serão os alunos a comprar? Os manuais conterão algumas das possibilidades de forma integral?
Entendo a esta diversificação de leituras de modo muito positivo e estou motivada para começar a leccionar desta nova forma, privilegiando a variedade, no entanto, é preciso que nos sejam dadas as condições que não nos deram aquando das leituras recreativas, pois que as bibliotecas nunca conseguiram dar resposta à procura dos alunos e isto, muitas vezes, foi um entrave à eficácia da actividade.
Um outro aspecto que esta tarefa nos levou a discutir em pequeno grupo foi o facto de que o número de leituras a fazer na aula é tão grande que a postura dos docentes perante a planificação anual terá também de mudar, ou seja, geralmente, explorava-se exaustivamente um texto durante várias aulas, podendo um conto ocupar uma grande parte de um período, o que sempre invalidou a possibilidade de se diversificar muito. Agora, julgo que o objectivo não é uma exploração pormenorizada do texto. A sua leitura, mesmo que integral, poderá servir apenas como ponto de partida para uma pequena actividade, passando-se, de seguida, para outro.
Aliás, esta ênfase na necessidade de diversificação me alertou para uma falha gritante nas minhas práticas: a pouca importância dada ao texto informativo, o texto científico, de opinião, argumentativo, crítico. Com efeito, as minhas aulas sempre foram dominadas pelo texto narrativo literário, por ser mais do agrado dos alunos, por ocupar a maior parte da planificação, uma vez que, no sétimo e no oitavo anos, geralmente, se leccionam exaustivamente dois contos de autor e isto sempre fez com que não só a poesia e o texto dramático fossem relegados para segundo plano como também o texto não literário, utilitário. No entanto, é preciso ressalvar que, no 3º ciclo, o texto publicitário, o texto jornalístico, o texto de opinião / argumentativo fazem parte do programa e são alvo da atenção dos professores. Não há nenhum aluno que termine o 3º ciclo sem ter explorado notícias, anúncios publicitários, reportagens, textos instrucionais, etc. O que fazemos pouco, e confesso que já é tempo de mudar, é trabalhar com os alunos a leitura de textos informativos no sentido de seleccionar informação, sublinhar as ideias principais, elaborar esquemas, fazer resumos ou sínteses. Isto realmente é uma lacuna que o Estudo Acompanhado, quando existia, tentou colmatar, mas que continua a ser um problema. Não é raro ouvir os colegas de outras áreas disciplinares queixarem-se das dificuldades que os alunos têm na leitura de textos não literários e isto preocupa-me realmente.
Este ano lectivo, influenciada pelas leituras já feitas do NPPEB e aproveitando o facto de os alunos terem que ler variados textos informativos sobre a contextualização sócio-cultural das obras Auto da Barca do Inferno e Os Lusíadas, tentei dar-lhes mais tempo para fazerem leituras autónomas, sublinharem os textos, tomarem notas, esquematizarem as ideias principais, com a minha orientação. Noutros casos, pedi-lhes para fazerem sozinhos em casa e corrigirmos na aula. Tenho verificado que este tipo de treino já devia ter sido feito mais cedo, de modo a que fossem mais autónomos. No entanto, é também preciso que se diga que a ênfase neste tipo de trabalho faz com que o professor se confronte com o problema de não conseguir cumprir a planificação, sentindo, muitas vezes, que está a «perder tempo» com estratégias de leitura que já deviam ser dominadas, mas que efectivamente não o são. Uma vez que sou formanda nos NPPEB, estou a tentar posicionar-me de outra forma, tentando ganhar cada vez mais a consciência de que a minha função é desenvolver as competências dos alunos e não apenas leccionar conteúdos, de modo a que o «tempo» deixe de ser um problema e uma desculpa constantes.
Um outro aspecto deste terceiro módulo que me deixou a reflectir foi o realce que o formador deu (e que o NPPEB e o GIPL dão) ao «querer ler» do aluno, o qual, por vezes, é esquecido ou menosprezado, pensando-se que quem já aprendeu a ler, naturalmente, vai ler ou devia ler, o que não é verdade. Com efeito, nunca concebi as minhas aulas e as actividades nelas desenvolvidas numa perspectiva de sustentabilidade, ou seja, preocupando-me com o futuro e no modo como poderei contribuir para ele, no que diz respeito à formação de leitores. Indubitavelmente, como professora de português, a minha contribuição assentará em fazer nascer nos alunos a vontade de ler e a motivação para continuar a fazê-lo ao longo da vida, para obter informação, organizar o seu conhecimento, apreciar. É por este motivo que a sala de aula tem que ser transformada num contexto promotor de leitura desde o 1º ciclo, fazendo o aluno aperceber-se da importância e da utilidade da leitura, fazendo-o encontrar motivos para desejar ler.
No que respeita ao terceiro ciclo, acho que o GIPL apresenta propostas muito interessantes tanto ao nível dos projectos, das sequências de aprendizagem como das actividades isoladas, enfatizando sempre a importância de um ponto de partida: os desempenhos que se pretende desenvolver nos alunos. Li atentamente os exemplos dados e concluí que o que se pretende é que o professor, na sala de aula, faça abordagens diferenciadas aos textos, não descure nunca a progressão, integre as diferentes competências específicas nessas suas abordagens e, sobretudo, motive o aluno, apresentando-lhe a leitura como um desafio. Percebi a lógica inerente a tudo o que li tanto no programa como no GIPL, contudo é preciso que se diga que este tipo de trabalho exige muito esforço da parte do professor tanto na preparação/planificação das actividades como na sua realização e avaliação. Ao desenvolver a competência da leitura nas suas aulas, o professor terá de ser capaz de criar e incentivar hábitos de leitura, seduzir os alunos-leitores, facilitar a sua tarefa de compreender, orientar as leituras, seleccionar e ajudar a seleccionar os livros adequados, preparar, implementar e avaliar projectos de animação da leitura e de promoção / divulgação do livro. Efectivamente, o GIPL e o NPPEB atribuem ao professor o papel de mediador principal na formação de leitores, cabendo-lhe a difícil tarefa de estabelecer uma ponte entre os livros e os alunos-leitores, facilitando o encontro, a descoberta e o diálogo entre eles, tendo, por vezes, que se assumir como formador de outros mediadores, como os próprios pais. Nesse sentido, acho que ainda há realmente muito a fazer a todos os níveis e não sei se seremos capazes de assumir eficazmente este papel tão abrangente, uma vez que há alunos que vivem em ambientes completamente desfasados da leitura e que não a valorizam minimamente.
No entanto, é preciso tentar de forma mais sistemática e rigorosa. Isto faz-me pensar que, realmente, ao longo destes anos, devia ter investido mais em trazer para a sala de aula as minhas experiências como leitora. A actividade «conversas sobre os livros» fez-me lembrar que, se calhar, era bom começar a ser um exemplo mais concreto de leitor, trazer para a sala os livro que estou a ler, mostrar-lhes que ler faz parte da minha rotina diária, ler-lhes algumas passagens dos livros, fazê-los tocar neles, folheá-los, desejá-los, enfim, tentar seduzi-los para a leitura por iniciativa própria.
O papel da biblioteca escolar neste trabalho de divulgação da leitura, dos livros e dos leitores também me pareceu importante. Realmente, nestes dois últimos anos lectivos, na minha escola, a biblioteca tem assumido um papel mais activo na dinamização de actividades relacionadas com a leitura, através da «Semana da Leitura», altura em que a escola se desdobra em actividades diversificadas de promoção da leitura, dos livros e dos leitores na comunidade escolar, através de palestras sobre este tema, encontros com escritores, partilha de leituras feitas, feiras do livro, exposições de biografias de escritores, de desenhos inspirados em livros. Contudo, acho que cada professor de português, com as suas turmas, deveria ter um papel mais activo, ao longo de todo o ano lectivo, de modo a que a leitura seja um tema constante na escola. Com efeito, há turmas em que os alunos, ao longo do ano, lêem variados livros, por isso, este ano, no âmbito da «Semana da Leitura», esses alunos foram convidados a partilhar com outras turmas menos propensas à leitura aquilo que leram, por que motivo leram, o que acharam da leitura, o que sugerem para se ler. Este tipo de actividades pode perfeitamente decorrer ao longo de todo ano, uma vez que só temos de «perder» alguns minutos, indo à sala da outra turma, para que dois ou três alunos apresentem aos restantes os seus livros. Repeti este ano esta experiência e tenho verificado que os alunos gostam.
O papel do professor como formador de alunos leitores é demasiado exigente para caber apenas ao professor de português e espero que os conselhos de turma passem a encarar esta tarefa como uma missão de todos. Contudo, reconheço que é a nós que cabe ser o motor desta dinâmica nas escolas e na sociedade em geral, num processo de aprendizagem que se deve iniciar no seio da família e na educação pré-escolar. O mundo moderno em que vivemos confronta diariamente o cidadão com diferentes realidades e com a necessidade de ler variados tipos de texto, tendo a escola um papel importante nesta preparação para a capacidade de ler em diferentes linguagens.

Pico da Pedra, 1 de Abril de 2010
Ana Isabel Tavares Carvalho